A primeira vez que eu vi algumas fotos do Afropunk fiquei arrepiada. Eu não sabia que podia existir um festival de arte e cultura voltados para o público negro. Eventualmente os festivais são construídos com arte negra, artistas negros, mas normalmente o público é na maioria branco. No Afropunk é diferente, o público não só é de maioria negra como também desfila orgulhosamente durante o festival os ícones e estilos que representam a cultura Afro.
Eu costumo dizer que o Afropunk é um movimento negro político cultural em plena ascensão. Político porque se preocupa em se posicionar contra opressões que são responsáveis pela morte de milhares de pessoas no mundo como, o sexismo, o racismo, a homofobia, a gordofobia, transfobia, enfim, contra todo o tipo de ódio. E em plena ascensão porque ele nasceu em 2005 e durante 11 anos aconteceu somente em Nova Iorque. Nos últimos três anos, os organizadores resolveram apresentar a festa em outras cidades. Hoje o festival acontece, além de duas cidades nos Estados Unidos, na França e na Inglaterra e no final do ano uma edição na África do Sul está deixando o fãs do bastante excitados.
A impressão que eu tenho, conversando com as pessoas de todo o mundo que vão ao festival, é que quem vai a um Afropunk nunca mais será o mesmo. A transformação é real e o encantamento imediato. Existe uma energia negra e fortalecedora no ar. O festival nasceu da busca de James Spooner por não ser o único negro a gostar de punk rock. Essa é uma busca comum dentro de uma sociedade racista onde negros e brancos estão social, político, econômica e culturalmente separados. O racismo cria bolhas e os negros que pretendem ultrapassar a linha limite precisam ser estar preparados, muitas vezes, para serem os únicos no ambiente de trabalho, na escola, na faculdade. Se você é negro sabe muito bem do que eu estou falando. Este sentimento deve ter te pegado em algum momento da sua vida.
Spooner fez um documentário chamado Afro-punk contando a sua busca por outros jovens negros que gostassem de punk rock, um movimento musical predominantemente branco. O documentário lançado em 2003 foi um sucesso. Não por que as pessoas gostavam tanto de punk rock, mas porque se identificaram com a história de Spooner na busca por pertencer a algo maior do que ele, a um coletivo, por se sentir parte de um grupo que o acolhesse. Dois anos depois, o festival estava na sua primeira edição. No palco na só músicos de punk rock, mas também outros estilos negros como o soul r&b, blues e hip hop.
Desde o início, o Afropunk nunca foi só música, mas também arte. Filmes são exibidos durante o festival, exposições e rodas de conversa discutem as questões político sociais que envolvem a população negra. A página na internet, e as redes sociais movimenta milhões de visualizações semanalmente. A moda também é muito forte no Afropunk, o festival se tornou um evento fashion onde as pessoas se vestem para serem vistas e admiradas. Os tecidos com referências africanas, turbantes, tranças, dreadlocks, cabelos crespos coloridos, as flores que enfeitam as cabeças e coroam cada um dos participantes com a beleza negra evidenciada e adorada.
Por tudo isso eu digo que o Afropunk é um movimento negro cultural e político que está transformando o mundo. As pessoas viajam de longe para a festa, eu mesma vim do Brasil e nesta edição de Paris estou aqui dando o ar da minha graça no meio desta belezura toda.
Semana que vem a festa será em Londres, no mês que vem em Nova Iorque, agosto em Atlanta e no final do ano em Joanesburgo, África do Sul. Eu conversei sério com o Lou Constant-Desportes, ele é editor chefe do Afropunk e me garantiu que a equipe do festival está procurando um lugar pra montar a festa no Brasil. Ele não quis confirmar, mas disse que Salvador estava bem cotada para ser palco do Afropunk Brasil 2018.
Nos resta torcer e esperar. Mas enquanto a festa não chega ao Brasil você pode acompanhar minhas aventuras. Vem comigo que semana que vem estarei na Inglaterra mostrando tudo o que acontecerá no Afropunk Londres.
Enquanto Londres não chega você pode dar uma olhada nas belas imagens que eu fiz durante este fim de semana aqui em Paris.
Au revoir Paris!!!
Cris Guterres é mulher negra, leonina, sonhadora e mochileira. Jornalista e entrevistadora do TNM nas horas vagas.