Esses dias estava lendo um post médico contra o alisamento de cabelo de crianças no qual discorria, de forma correta, os efeitos que vão desde a danificação do fio, até queimaduras no couro cabeludo e baixa autoestima infantil. Entretanto, no fechamento, quando colocou que os pais não devem seguir a moda, percebi a falha.
O alisamento foi usado como forma de tentativa de embranquecimento desde a escravidão e isso se perpetua até hoje. As crianças continuam crescendo com o estigma de que nossos cabelos são ruins. Algumas mães realmente alisam o cabelo de seus filhos porque acham que facilitam os cuidados, mas essa não é a principal motivação. As crianças continuam sendo discriminadas em função de seus cabelos até mesmo nas escolas. E a mãe vê se repetir com o filho a história que, na maioria das vezes, sentiu na pele. O racismo continua em todos os lugares para quem quiser ver ou ouvir e até mesmo pra quem não quiser.
Alisar o cabelo das crianças resolve o problema do racismo nas escolas? Não, pois elas continuam sendo negras. É o melhor pra saúde dos pequenos? Não. Mas podemos julgar as mães por isso? Amigo, não podemos julgar as mães por motivo nenhum. Quem não conhece os desafios de uma mulher negra, não pode entendê-la, que dirá seu coração. Sabe o que sente uma mãe que recebe o bilhete de uma coordenadora de escola dizendo que ficaria “mais feliz” se seus filhos forem pra escola de cabelo preso ou mais baixo? Sim, isso acontece!
Não se pode analisar o comportamento das pessoas sem conhecer suas histórias e sentimentos. Assim como um educador que deveria ser exemplo do que é certo e não um mero porta-voz do racismo! Esse tipo de postura diária é um dos motivos da nossa realidade não mudar.
As mulheres negras são heroínas! Trabalham, cuidam dos filhos, sobrevivem ao racismo, e querem que seus filhos sejam respeitados e não sofram. É difícil entender isso?
Nosso cabelo crespo ou cacheado é lindo! É feito pra ser livre! Preso, solto, trançado, com tiara ou sem! É reflexo da nossa ancestralidade! É o que a natureza nos deu e ela não erra. O erro está nos olhos distorcidos de quem se julga dono do mundo a ponto de não respeitar a natureza da estética que é diferente da sua. O uso do cabelo natural pra gente é um ato político desde a infância!
E todos precisamos ensinar as crianças a amarem seus cabelos, cor de pele, história. E também precisamos nos amar de verdade, porque o racismo não vai acabar amanhã e não há como ter forças pra se defender dele se você não se amar. Só o amor nas suas mais variadas formas é capaz de nos fortalecer. Amar é resistência! Mamãe, por amor, não alisem o cabelo das nossas crianças!
Eliane Serafim é mulher negra, terapeuta capilar (Cabelo e Bem Estar), empreendedora social e criadora do Encrespa Geral, criadora e administradora da comunidade e grupo Amigas Cacheadas no Facebook.
