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quinta-feira, 25 janeiro 2024
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Brasil tem diretora negra em cartaz após silenciamento de 34 anos

O Caso do Homem Errado é o segundo filme dirigido por uma mulher negra a entrar no circuito nacional de cinema.

Camila de Moraes é dessas mulheres que não se dão por vencidas com qualquer não que recebem na vida. Eu mesma a conheci em Nova Iorque, fazendo uma revista sobre os negros dos Estados Unidos, entrevistando os novaiorquinos, se perdendo e se achando no metrô da cidade sem falar mais do que duas ou três palavras em inglês. Ela sempre surpreende. Não é à toa que está surpreendendo mais uma vez. É a única mulher negra a colocar um filme em exibição no circuito comercial brasileiro nos últimos 34 anos. Poderia ser um feito a ser comemorado, mas a própria Camila sabe o quanto essa conquista mostra a perversidade da estrutura racial que impede o avanço da população negra do país.

O filme que Camila dirigiu e roteirizou, O Caso do Homem Errado é um instrumento político. Através dele, a diretora denuncia o genocídio da população negra. Segundo um levantamento do Forum Brasileiro de Segurança pública, a polícia de São Paulo matou três vezes mais jovens negros do que brancos em atos de resistência, casos em que o policial afirma ter sido obrigado a matar por legítima defesa. Em circunstâncias parecidas morreu Julio Cesar, personagem central do documentário. Um jovem “confundido” como assaltante e morto em situação não esclarecida enquanto estava sob o domínio da polícia. O assassinato ocorreu nos anos 80 na cidade de Porto Alegre e ficou nacionalmente conhecido como o caso do homem errado.

Em 2017, o longa foi premiado como melhor filme do 9º Festival Internacional de Cine Latino, Uruguayo y Brasileiro, em Punta del Este e foi exibido no maior festival de cinema da América Latina, o Festival de Gramado. Foram oito anos para conseguir finalizar o documentário. Muitas recusas recebidas, outras tantas para receber, mas Camila não desiste. Com o apoio da produtora executiva Mariani Ferreira, ela bateu de porta em porta a procura de oportunidades. Pegaram dinheiro emprestado, bancaram do próprio bolso boa parte da produção, tentaram uma, duas, três e mais distribuidoras, da maioria nem receberam resposta. Em meio as dívidas que acumulam, conseguiram um pouco mais de dinheiro para bancar o alto custo cobrado pela Agência Nacional de Cinema para colocar o filme em cartaz no próximo dia 22/03 numa sala em Porto Alegre.  A única outra vez na história que uma mulher negra conseguiu exibir um filme num circuito nacional foi em 1984. Adélia Sampaio abriu o caminho com seu longa de ficção Amor Maldito. “Eu tenho 30 anos, o quão grande é essa estrutura do racismo pra fazer com que esse abismo leve este tempo todo para que outra de nós alcance este lugar”, desabafou Camila.

A estrutura de realização do audiovisual brasileiro sempre assegurou aos negros lugares de sujeição tanto na atuação quanto por trás das câmeras. As dificuldades são inúmeras e vão desde a ausência nos espaços de decisão às  barreiras que impedem o financiamento para  os projetos.  O distanciamento entre o lançamento do filme de Adélia Sampaio e o de Camila de Moares não foi construído pela ausência de profissionais, mas pela ausência de políticas públicas que permitam o desenvolvimento dos profissionais negros no ambiente cinematográfico. Eu mesma consigo, em pouquíssimos segundos, pensar em mais de dez profissionais negras que estão lutando para crescerem neste mercado excludente. A Associação dxs Profissionais do Audiovisual Negro (A.P.A.N), uma instituição de fomento, valorização e divulgação de realizações audiovisuais protagonizadas por negros, promoveu em novembro passado a 2a Mostra do Audiovisual Negro e reuniu mais de 40 obras dirigidas e produzidas por negros de todo o Brasil, ficando explicito o quanto o racismo ignora nossas produções, nossos nomes, nossas narrativas.

“É preciso criar medidas específicas para garantir um olhar mais plural, pois essas produções que temos são os olhares que vão construir o imaginário das novas gerações, e essas produções são feitas, na maioria das vezes, por homens brancos.  Sabemos que temos mulheres negras escrevendo uma nova história através desse outro olhar, porém percebemos a dificuldade que é chegar nos registros e regulamentações de toda uma obra audiovisual”, desabafa  Camila de Moraes.

 

 

O Quê: Documentário “O Caso do Homem Errado” – Circuito Comercial

Quando/Horário: 22.03.2018 a 28.03.2018, às 19h / 29.03.2018 a 04.04.2018, às 17h

Local: CineBancários (Rua General Câmara, 424, Centro Histórico de Porto Alegre)

Valor do Ingresso: R$12,00 (inteira) / R$6,00 (meia)

Classificação: 10 anos

Capacidade do Cinema: 81 lugares

 

Ficha Técnica

Produtora: Praça de Filmes

Diretora: Camila de Moraes

Roteiro: Camila de Moraes, Mariani Ferreira e Maurício Borges de Medeiros

Produção Executiva: Camila de Moraes e Mariani Ferreira

Elenco: (Depoentes) Juçara Pinto, Paulo Ricardo de Moraes, Ronaldo Bernardi, Luiz Francisco Corrêa Barbosa, João Carlos Rodrigues, Jair Kirschke, Edilson Nabarro, Renato Dornelles, Paulo Antônio Costa Corrêa, Waldemar Moura Lima, Vera Daisy Barcellos, Romeu Karnikowski, Aline Gerber

Direção de Fotografia: Maurício Borges de Medeiros

Trilha Sonora: Rick Carvalho

Montagem: Maurício Borges de Medeiros

Desenho de Som: Guilherme Cássio dos Santos

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